domingo, 16 de agosto de 2009

PLANO DIRETOR DE CATAGUASES. MUDAR OU FAZER CUMPRIR A LEI?

Neste ano de 2009 a Câmara Municipal de Cataguases anda às voltas com um projeto de lei apresentado por um dos vereadores, que propõe alterações no Plano Diretor Participativo do Município. De um modo geral o foco das alterações propostas diz respeito, principalmente, às questões relacionadas ao zoneamento da área central de Cataguases e suas implicações com a preservação e gestão do patrimônio urbanístico e arquitetônico tombado pelo IPHAN. Parece que a grande questão, reivindicada por determinado segmento da comunidade, é que não dá para subordinar todas as intervenções urbano-arquitetônicas dentro do perímetro do tombamento aos técnicos do IPHAN que, segundo esse mesmo segmento, pela ausência de normas claras, emitem pareceres subjetivos e sem critérios além do grande tempo dispensado no trâmite dos projetos naquele órgão.

É fato que a forma como vem sendo gerida pelo IPHAN e até mesmo pelo município, a preservação desse patrimônio desde seu tombamento, em 1994, não é a melhor, uma vez que não foram até o momento concluídas as ações necessárias para que essa gestão funcione de forma eficaz.

Em primeiro lugar é importante deixar claro que quaisquer alterações no Plano Diretor só podem ser feitas da mesma forma como ele foi elaborado. Ou seja, é preciso ampla participação popular. É necessária pelo menos uma Conferência Municipal para tratar do assunto convocada pelo Conselho Municipal do Plano Diretor Participativo. Quaisquer alterações no Plano da forma com estão sendo propostas pelo legislativo municipal são nulas.

Em alguns momentos os debates e algumas discussões apresentadas a respeito da gestão do patrimônio tombado nacionalmente citam parte do conteúdo dos pareceres, presentes no Processo de Tombamento de 1994, dos arquitetos Antônio Luiz Dias de Andrade e do conselheiro Ítalo Campofiorito. É importante que tais discussões sejam apresentadas na totalidade de conteúdo de tais documentos e não somente em partes dos mesmos, como tem sido feito, o que pode levar a interpretações parciais. O parecer de Antônio Andrade problematiza com clareza as dificuldades de se gerir um patrimônio tombado. Além da recomendação de delimitação de um perímetro do Centro Histórico e do tombamento individual dos exemplares mais significativos, como foi feito em Cataguases, o arquiteto, adiantando alguns problemas de gestão, sugere que “no interior do perímetro tombado, deve ser relacionado um novo conjunto de bens, (além do tombado individualmente) por intermédio de um minucioso inventário, que procure levar em consideração o processo de formação e desenvolvimento da cidade e sua correspondente fisionomia urbana. Os bens inventariados permanecerão sujeitos, exclusivamente, nos casos de demolições, reformas ou novas construções, à anuência prévia do IPHAN. Os demais imóveis não inventariados no interior do perímetro estarão totalmente liberados do controle do IPHAN, subordinando tão somente às posturas municipais.” Mais à frente o arquiteto diz “A cidade está a reclamar um plano urbanístico adequado e cuja formulação se mostra problemática. Em suas múltiplas premissas, o plano deverá contemplar a preservação de seu patrimônio cultural, referendando e complementando as medidas iniciais estabelecidas pelo tombamento.” O arquiteto recomenda ainda, a criação de um Conselho Assessor constituídas por instituições públicas e privadas.

O parecer de Ítalo Campofiorito, o conselheiro responsável pela relatoria do processo, ratifica a proposta de tombamento. E em correspondência de julho de 1995, ao presidente do IPHAN, traz esclarecimentos do seu parecer anterior, afirmando:

“Gostaria de, por assim dizer, aperfeiçoar minha proposta, fixando a altura máxima de três pavimentos em quaisquer construções incluídas no perímetro de proteção, para não desfigurar a escala urbana existente no final dos anos 40, além do que já tenha acontecido antes deste tombamento.”

É importante destacar duas questões destes pareceres:

1) Recomendou-se a elaboração de um inventário de bens de valor cultural dentro do perímetro de tombamento, um plano de preservação urbanístico e a formação de um conselho assessor. Até o momento, 2009, nada disso foi feito.

2) Está muito claro que a preocupação é também com o conjunto urbano e não somente com bens tombados individualmente. Os argumentos de Antônio Andrade e a posição de Ítalo Campofiorito ratificam isso. E neste sentido é claro que as posturas municipais citadas no parecer, nos quais os demais imóveis não tombados e não inventariados estariam subordinados, têm de estar inseridas dentro de diretrizes de preservação e conservação deste conjunto. No entanto, as atuais posturas municipais, as leis 2427 e 2428 de 1995, instituídas um ano após o tombamento, chegam até mesmo a se contraporem a qualquer medida de proteção e preservação do patrimônio como, por exemplo, o adensamento da área central.

Aqui é preciso esclarecer que o tombamento não é o único instrumento de preservação havendo dentre outros os inventários culturais, os planos de preservação, as posturas urbanas municipais.
Somente em 2006, o ano limite para cumprimento de exigências legais, o município realizou o Plano Diretor Participativo de acordo com os preceitos do Estatuto da Cidade, com recursos da UNESCO destinados à preservação de sítios históricos tombados nacionalmente. Para elaboração do Plano foi instituído um Núcleo Gestor responsável pela condução dos trabalhos e tomadas de decisões composto por representantes do poder executivo, legislativo, associações comunitárias urbanas e rurais, associações de classes profissionais e sindicato. O Plano foi elaborado conforme metodologia estabelecida pelo Ministério das Cidades compondo-se de um diagnóstico técnico e outro comunitário que subsidiariam a elaboração do anteprojeto de lei. Para embasar estes diagnósticos foram feitos ao todo 38 encontros com a comunidade tanto urbana como rural. Toda esta documentação – os diagnósticos - está em poder da Prefeitura Municipal de Cataguases e têm que estar à disposição para consulta a todo e qualquer cidadão.

O anteprojeto de Lei do Plano Diretor sugerido pela equipe técnica, no que diz respeito ao zoneamento, estabeleceu uma Zona de Preservação Cultural coincidente com o Centro Histórico tombado, porém com uma delimitação maior, incluindo outras áreas também importantes para a formação e consolidação cultural da cidade tais como o Bairro Jardim e as áreas adjacentes da linha ferroviária até as proximidades do Grupo Escolar Guido Marliérie cujas edificações representam rico período de formação social, econômico e cultural da cidade.

Nesta Zona foi sugerida uma taxa de permeabilidade mínima de 30% e altura máxima de nove metros para as novas edificações, delimitações ancoradas em dois argumentos e condicionantes: primeiro a manutenção da paisagem e do conjunto urbano de valor cultural, a necessidade de preservação da ambiência em termos visuais, impedindo a alteração da escala e da densidade das construções, permitindo a visualização dos bens tombados e dos outros imóveis participantes da cena urbana, cuja pressão por verticalização tem sido forte nos últimos anos, segundo, por razões de conforto ambiental, procurando-se garantir a circulação de ventos e impedir a formação de ilhas de calor na área central, pois o diagnóstico detectou que “A recomendação para o tipo de
Clima de Cataguases é de favorecimento à ventilação, portanto, em escala urbana, deve-se prevenir contra o adensamento excessivo que possa bloquear os canais locais de vento, incentivando o uso de áreas verdes como meios para preservar espaços ainda desocupados e localizados em áreas onde ocorrem caminhos preferenciais de vento. As baixas velocidades observadas na maior parcela da área urbana de Cataguases são um fator problemático para o clima da cidade, que é quente e necessitaria de maior ventilação para ajudar na manutenção da qualidade do ar e para diminuir os efeitos da formação de “ilhas de calor” urbanas.” Quem é de Cataguases sabe muito bem do que se está falando quando se diz a respeito de calor.

Esta questão da altura máxima gerou polêmica no Núcleo Gestor que era a instância decisória naquele momento, mas que por votação de seus membros decidiu-se que se encaminhariam ao executivo as delimitações propostas pela equipe técnica. Outras modificações, não muito polêmicas foram feitas pelo Núcleo Gestor no anteprojeto proposto.

Num primeiro momento, o anteprojeto do Plano Diretor encaminhado pelo Núcleo Gestor foi aceito na íntegra pelo Executivo, que, remetido ao Legislativo municipal, logrou aprovação por unanimidade e sem alterações. Porém, quando a lei, já aprovada pela Câmara dos Vereadores, retorna ao Executivo para ser sancionada, o Prefeito Municipal, pressionado por alguns setores da comunidade, veta exatamente e somente os incisos que tratam da permeabilidade e altura máxima das novas edificações na Zona de Proteção Cultural. O projeto de lei retorna ao Legislativo, que mantém o veto do Prefeito.

Ainda em relação ao Plano Diretor a lei que o instituiu estabeleceu prazo de 300 dias para revisão das legislações urbanísticas complementares, ou seja, as posturas municipais das quais mencionamos anteriormente, o que até o momento não foi feito. Dentre outros, estabeleceu também a criação do Conselho Municipal do Plano Diretor Participativo, que garantiria a participação da sociedade civil na implementação e gestão do Plano. Até o momento, apesar dos membros do Conselho terem sido nomeados, o mesmo não tem funcionado Políticas de preservação e, principalmente, a restrição da ocupação do solo no Centro Histórico como, por exemplo, o estabelecimento da altura máxima das novas edificações em 9 metros ou três pavimentos tem causado receio em alguns segmentos cataguasenses que alegam que isso poderá limitar o desenvolvimento da cidade comprometendo principalmente a geração de empregos na construção civil. Aqui, então, cabem algumas ponderações. Cabe à comunidade optar pela escolha de qual desenvolvimento se deseja para a cidade. Quer-se o desenvolvimento imediatista, pensado somente em curto prazo, a qualquer custo e preço que destrói o patrimônio cultural, as referências culturais, compromete o meio ambiente e a qualidade de vida? Ou, quer-se um desenvolvimento que leve em conta esses condicionantes? Um desenvolvimento sustentável. É preciso refletir ainda sobre outras coisas: a cidade tem um crescimento populacional que justifique o adensamento do centro histórico? Os empregos da construção civil só advém de edificações com mais de 3 pavimentos no Centro Histórico?

Muitos empregos podem ser gerados, principalmente na construção civil, se pensarmos nas tantas obras que a cidade ainda precisa fazer para alcançar um nível de qualidade de vida desejável. É necessário tratar o esgoto, o lixo, levar infra-estrutura adequada em muitos bairros da periferia, como pavimentação, coleta de águas pluviais, construção de áreas de lazer, contenções, construir novas moradias para a população de baixa renda onde o déficit habitacional é maior, resolver os problemas dessa mesma população que reside em áreas alagáveis e de risco, entre outras. Só aqui quantas obras a serem feitas! Quantos empregos na construção civil poderiam ser gerados! Não seriam essas ações prioritárias se formos pensarmos em obras?

Também, não é só a construção civil que pode gerar empregos. Há outros setores. E Cataguases tem o privilégio e potencial imenso para gerar empregos na área da Cultura. Qual cidade do interior do país, com apenas 70 mil habitantes, foi e é referência nacional em cinema, literatura e arquitetura? Qual cidade possui esse imenso patrimônio cultural? Não se pode utilizar disso para gerar empregos? Algumas iniciativas do terceiro setor corroboram essa idéia. Vejam-se os exemplos do Cineport e do Festival de Ver e Fazer Filmes para citar apenas algumas. Quantos empregos estes festivais geraram? Quanto dinheiro fizeram circular na cidade? E isso tudo utilizando do potencial cultural que a cidade oferece somente no cinema. Será que se a cidade não tivesse esse legado do cinema, teria condições ou pelo menos facilidade de fazer esses festivais em Cataguases? Por que se escolheu Cataguases para fazê-los?

Não há condições de fazer coisas similares com a literatura, a arquitetura e outras artes? É claro que há. E essas condições só são favoráveis porque a cidade possui esse riquíssimo patrimônio cultural. É esse também um dos motivos pelos quais devemos preservá-lo.
Inúmeros estudos, no mundo inteiro, têm demonstrado que a preservação do patrimônio cultural de determinada comunidade tem íntima relação com oferta de qualidade de vida. Em Cataguases não deve ser diferente. Cabe à cidade assumir que possui esse rico patrimônio e envidar esforços para preservá-lo.

Neste sentido, as soluções passam muito antes no cumprimento do Plano Diretor aprovado em 2006, do que em alterações no mesmo. É preciso fazer valer dentre inúmeras ações que o Plano prescreve:

1) Reativar o Conselho Municipal do Plano Diretor Participativo, que é a instância que garante a participação da sociedade civil na gestão e implementação do Plano;

2) Rever as posturas municipais, pelas quais o Plano Diretor estabeleceu um prazo máximo de 300 dias, mas que até agora, 2009, não foi feito. É preciso rever a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo; Código de Obras e Código de Posturas. É extremamente importante que essas leis estejam em consonância estreita com um Plano de Preservação do Centro Histórico, tal como recomendado pelo parecer de tombamento, no sentido de estabelecer normas e diretrizes claras para novas construções, demolições e reformas para que se resolva de vez o problema da subjetividade dos pareceres técnicos por parte do IPHAN. Essas posturas têm que ser revistas por técnicos devidamente especializados em urbanismo e preservação cultural com participação popular e também dos órgãos de preservação tanto do município quanto do IPHAN.

3) Paralelamente, a Prefeitura Municipal tem que promover uma ação de aproximação junto ao IPHAN e vice-versa, no sentido dar continuidade às ações propostas pelos pareceres de tombamento e que até então não foram feitas. É preciso fazer junto com o IPHAN os inventários dos bens culturais; o plano de preservação urbanístico, cujas posturas municipais devem estar em consonância, como dito anteriormente, e estabelecer o conselho assessor. Neste sentido sugere-se aproximarem as ações que a prefeitura já vem desenvolvendo por conta do ICMS Cultural do Estado, que já possui um plano de inventários e, muito provavelmente, um inventário do Centro Histórico.

Não cabe aqui dizer que não existem recursos para tais empreitadas. Sabe-se que há inúmeras fontes de financiamento para tais ações, basta buscá-las e Cataguases com certeza terá facilidades nisto.

Paulo Henrique Alonso
Arquiteto urbanista

5 comentários:

Mauro disse...

Paulo Lucio quero preservar o meu passado,mas quero progresso no presente já abraço!

Wilma Capella disse...

Bom dia amigo Paulo Lúcio. Viajei uns dias para defendern a classe dos trabalhadores do município.Foi muito bom.
Lí Selva de Pedra e gostei imensamente do texto, perfeito. Faço alguns questionamentos e restrições, mas prefiro comentar mais tarde. Quanto a pessoa do Dr. Eduardo Schelb ,como ser humano, como filho, e amigo é nota 1.000.
O homem vereador tem que ser questionado mesmo, criticado quando merecer ,principalmente quando ele demonstra a sua incapacidade para legislar. Nossa câmara tem dado mostras de fragilidade ,o perigo é se muitos estão ligados ao executivo.Qero ainda comentarSelva de Pedra.

Unknown disse...

Não sou contra o progresso. Acho que a cidade deve desenvolver, não crescer.

Como Paulo Alonso destacou, a construção civil deve atuar na infra estrutura da cidade. Na pavimentação, aréas de lazer, casas populares, esgoto, saneamento básico, coleta seletiva.

Primeiro vamos resolver nosso problemas, que são antigos, para depois pensarmos em crescer.

Construção de prédios não é sinal de desenvolvimento, não acaba com problemas de desemprego, pois se acabasse, não teriamos desempregos, favelas, misérias nas grandes capitais, que estão cercada de prédios.

TNC disse...

Seguro cash protection conta políticos vamos substituir os políticos de Ktá!!!

Ítalo Stephan disse...

depois de tantos anos, em que pé está o plano e o conselho?
Ítalo Stephan, DAU/UFV
stephan@ufv.br