sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Isso aqui é Cataguases, cara!

Zeca Junqueira

Numa primeira iniciativa de montar em Cataguases a peça “Soninha Diamante, Umas & Outras”, de minha autoria, que ficou em cartaz durante dois meses no Rio de Janeiro, fiquei chapado com a recepção dada à obra: ela foi censurada a priori pelos próprios atores (!), o que me parece um acontecimento inédito na história do teatro. Os ditos cujos concordaram que a peça é boa – excelente! –, mas não é pra Cataguases, avisaram. Então tá decretado: aqui não entra Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Artaud, Brecht e outros “malditos”.


Minha peça é composta de seis esquetes e numa delas o personagem Zé Legião do Brasil senta o malho nas formas de trabalho atuais, apontando as causas estruturais do desemprego em massa que endoida milhares de trabalhadores no Brasil e no mundo. Mas, segundo os nossos atores-censores, os desempregados e sub-empregados daqui não querem saber disso não, já estão putos da vida, querem é algo que os distraia(?) do seu sofrimento diário. Nesse caso, os opressores agradecem.


Levantaram controvérsias até contra a lírica personagem Soninha Diamante, uma prostituta (coisa velha, né?), alegando que em Cataguases ainda existe preconceito contra “mulheres que andam com muitos homens”. (Ora, dia desses eu vi passar pela Avenida Astolfo Dutra duas meninas bonitas de mãos dadas, namorando, na boa, e daí?). É dessa Cataguases que eles estão falando que virão as manifestações de preconceito? Na discussão, um deles me admoestou: “Parece que você continua morando no Rio de Janeiro. Isso aqui é Cataguases, cara!”. É...


Leiam o que diz o personagem Zé Legião do Brasil em alguns trechos de sua esquete e analisem se isso é escandaloso e pode ser repudiado pela gente daqui:


“Agora ferrou tudo. Simplifica daqui, simplifica de lá, coloca um chip aqui, outro acolá, e dançam milhares de trabalhadores e só sobra vaga para uma meia dúzia de três ou quatro super-especializados. O resto só arruma sub-emprego ou vai para a informalidade – ou pro crime. Ou vai à merda”.


“Enquanto isso tá lá o moleque pobre sabendo que a escola tá uma porcaria, que não vai garantir emprego mesmo, tá lá o moleque cheio de desejos na frente da TV vendo loura gostosa e não comendo ninguém, babando por uma Mercedez Benz e andando de carona de Mercedez...bus. E tá lá o tráfico, tá lá a droga”.


“Vejam essas cidades abarrotadas – verdadeiras sucursais do inferno. É carro poluindo tudo, é gente poluindo tudo, é bala furando tudo, é a solidão fodendo tudo, é a natureza começando a reclamar, é todo mundo escondido atrás de um vidro preto pra não ver a cagada que está fazendo”.


“Nunca tivemos tanto do que reclamar, tá uma zona, tá pior do que no tempo em que os milicos baixavam o cacete em comunista, eu tô cheio de coisas pra reclamar, mas reclamar com quem?! Reclamar com queeeemmmm?! Tem alguém aí?! Alô, seu juiz, alô, seu delegado, policial, vereador e deputado, alô, seu safado!”


O mundo acabou? Está todo mundo escandalizado? O dito acima é tudo mentira? Serei eu então perseguido e colocado na fogueira pelos remanescentes da Inquisição?


Acredito que o posicionamento – ou falta de coragem? - desses atores cataguasenses explica, em parte, a alienação cultural que vinga e recrudesce na cidade, e que, no meu entendimento, é a causa geradora do estrago que estamos vendo no concreto da cidade e nos corações e mentes do povo daqui. Pois eu penso é como Antonin Artaud, esse também um grande professor de coragem:


“Ou trazemos todas as artes de volta a uma atitude e a uma necessidade centrais, encontrando uma analogia entre um gesto feito na pintura ou no teatro e um gesto feito pela lava no desastre de um vulcão, ou devemos parar de pintar, de vociferar, de escrever e de fazer seja lá o que for”.


Concordam, meus caros atores?




















FOTO DA PEÇA - SONINHA DIAMANTE

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