quinta-feira, 28 de junho de 2018

Gol da Argentina!?

Durante a realização da Copa, a Argentina aprovou a descriminalização do aborto. Marcando um gol histórico. Resta saber se foi um gol de placa ou gol contra?

O tema é polêmico. Divide a sociedade. O resultado da votação na Argentina mostra bem isso: 129 deputados votaram a favor, 125 contra. Um placar apertado.

Eu por exemplo fico na dúvida sobre o tema. Hora sou contra. Hora a favor. Mas para nós homens falar de aborto é fácil. Afinal, não engravidamos. A quem diga que se os homens engravidassem o aborto seria legalizado. Os números mostram isso. Mais de 5,5 milhões de crianças brasileiras não tem o nome do pai na certidão de nascimento. O abandono é uma forma de “aborto” masculino.

Infelizmente, não são apenas os homens que abandonam seus filhos. Pesquisas mostram que, a cada três dias, pelo menos uma mulher vai à justiça para entregar seu filho à doação.

De posse desses dados, muitos defendem que o aborto seja permitido até a 12ª semana da gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade.

Muitos vão dizer: “Ah, mas engravidou porque quis!” “Por que não usou preservativo?”. Realmente, existem várias formas de evitar a gravidez: camisinha, anticoncepcional, pílula, cirurgias... . Porém, não são incentivadas. Muitas igrejas, por exemplo, condenam o uso da camisinha e de anticoncepcionais. Nas escolas o tema educação sexual não é abordado. Nas famílias os pais não conversam com seus filhos sobre sexo.

As pessoas têm medo de falar de sexo. Tratam ainda como tabu. Com isso, cada vez mais jovens engravidam ou são contaminados por doenças. Precisamos falar sobre sexo. Só assim iremos diminuir gravidez indesejável e doenças. Até porque, apesar de termos diversas formas de proteção, não são 100% seguras. A camisinha pode rasgar ou sair na hora do ato sexual. O anticoncepcional ou a pílula do dia seguinte não fazer efeito. A mulher errar na tabelinha. Confiar que o parceiro não vai ejacular dentro. Erro médico na vasectomia ou ligadura...

Como podem ver, mesmo com tantas formas de proteção não estamos protegidos. Uma gravidez indesejável pode acontecer. Nesse caso, o que fazer? Para muitos, a solução seria o aborto. Inclusive é permitido em alguns casos: gravidez oriunda de estupro, quando representa risco de vida para a mãe e feto anencéfalo (sem cérebro). Por que não para outros casos?

Apesar de proibido para outros casos, o aborto é muito praticado. Segundo a Pesquisa Nacional sobre o Aborto (PNA), uma em casa cinco brasileiras, com até 40 anos, já interrompeu uma gravidez. Estima-se que, a cada ano, um milhão de abortos são realizados no Brasil. Sendo em clínicas clandestinas ou até mesmo em casa, com uso de remédios e chás caseiros.

Não adianta a gente fechar os olhos para isso. Achar que proibindo estamos combatendo. Pelo contrário, a proibição acaba contribuindo para o aumento de abortos. Segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), países onde o aborto passou a ser legalizado, aconteceu uma queda substancial no número de abortos realizados. Isso tem explicação lógica. Por trás da legalização, existe toda uma estrutura que garante acesso ao planejamento familiar, à saúde e informação. Uma gestante que queira fazer um aborto legal passará por várias etapas. Tendo acesso a diversos profissionais: psicólogo, assistente social, médicos, terapeutas... Não pensem vocês que basta chegar ao hospital e marcar o dia e a hora do aborto.

Esses profissionais vão avaliar caso a caso. Entender os motivos que levaram essa gestante a optar pelo aborto. Muitas das vezes, eles acabam convencendo a gestante do contrário. Muitos abortos acontecem devido à mulher se sentir sozinha. Ao dividir suas preocupações e medos com outras pessoas, principalmente com profissionais, muitas gestantes deixam de tomar decisões precipitadas. Que hoje leva a um aborto clandestino. Logo, a legalização é uma forma de combater o aborto.

Defender a legalização não significa defesa do aborto. Mas sim políticas públicas para as mulheres. O tema aborto é também um movimento de cunho político. Todos sabem que as mulheres são minorias na política. Sem muita representatividade, as mulheres encontraram no movimento feminista uma forma de reivindicar mais autonomia e direitos. Dessa forma, o aborto vai além da questão de ter ou não um filho. As mulheres querem mais liberdade e políticas públicas. Não aceitam que padres, pastores, pais de santo, médiuns espíritas, políticos, vizinhos e homens em geral definam sobre seus destinos. Querem elas mesmas decidirem. Não aceitam serem criminalizadas.

Como disse no começo, hora sou favorável, hora sou contra o aborto. Torço para que nenhuma mulher aborte. Mas se por acaso uma quiser abortar, espero que seja dentro da lei. Que essa mulher receba toda atenção do Estado. Não seja vista como criminosa. Não vá presa. Muito menos sofra preconceito da sociedade. Afinal, não tem penalidade pior do que o aborto. Algo traumático para quem faz. Não devemos tornar isso ainda mais traumático.