terça-feira, 9 de julho de 2013

Testemunha

- Um dos meus contos.

Testemunha

* “Baseado” em uma história real.

Era uma quinta-feira chuvosa, aquela chuvinha fina o dia todo. O carteiro entregava as cartas. Era final de tarde, o dia estava terminado, mas para o carteiro não terminaria bem. Estava na última rua do distrito, a poucos metros de terminar sua tarefa e escuta: Carteiro! Carteiro!

O carteiro procura pela voz. Com a rua vazia, devido a chuva, ficou mais fácil de encontrá-la. Na rua de baixo, um jovem rapaz, bem vestido, boa pinta, acena e grita: Carteiro, vem cá!

O carteiro pensa com ele: Que cara mais mal educado. Abre os braços meio que responde: “Vem cá?”.

O jovem coloca a mão no bolso, retira a carteira e mostra o distintivo e grita: – Polícia! Vem cá agora!

O carteiro não pensa duas vezes e vai ao encontro do policial. Com educação é diferente. No percurso conversa sozinho: Só me faltava essa, o que a policia quer comigo. Aproxima do policial, aperta sua mão, cumprimenta com um boa tarde e pergunta em que pode ser útil.

O policial pede para acompanhá-lo. O carteiro quer saber do que se trata, mas o policial não entra em detalhes, apenas diz ser uma operação de rotina. O carteiro insiste, como se não quisesse ir e inicia um debate com o policial.

– Não me leva a mal Doutor, mas estou trabalhando. Estou cheio de cartas para entregar. Chama outra pessoa.
O policial responde: – O que você acha que eu estou fazendo? Também estou trabalhando! E não vou chamar outra pessoa, você vem comigo agora. Pega o carteiro pelo braço e o leva até a operação.

Devido a agressividade do policial, o carteiro não vê outra alternativa e o acompanha, pedindo apenas para soltar seu braço.

Os dois entram num beco e se dirigem a última casa. Chegando no local encontra outro policial, também muito novo, que pede para o carteiro entrar, que se recusa e o policial que o trouxe o empurra e ele entra na marra.

Com o empurrão, o carteiro entra tropeçando e quando consegue manter o equilíbrio da uma olhada em volta do local e vê tudo revirado. Olha para o lado e vê dois jovens agachados. Os reconhece, já que há tempos trabalha no bairro, além de ser morador da comunidade.

O policial aponta para um objeto dentro do forno do fogão e pede para o carteiro olhar e diz: – É maconha! Dois tabletes.

Só então o carteiro percebe do que se trata a operação e vê na furada que se meteu. Não olha para o objeto apontado pelo policial. Olha para trás e percebe que o caminho está livre, vira e sai apressado. Com passos de carteiro logo chega no beco. Quando se aproxima da rua é puxado pela camisa pelo policial que o levou, que diz: – Onde você pensa que vai?

Carteiro: – Vou embora. Estou trabalhando e não vou me meter nisso. O meu trabalho é entregar cartas e não pessoas. Não sou X-9.

O policial: – O meu trabalho é prendar os criminosos e para isso preciso de testemunha, nesse caso, você é a testemunha.

Carteiro: – Sou testemunha de nada. Não vi nada. Não sei de nada.

Policial: – É sempre assim, vocês criticam a polícia dizendo que não fazemos o nosso trabalho. Quando a gente faz vocês não cooperam.

Carteiro: – Coopero pagando os impostos que pagam seu salário. Agora, não é meu dever ajudar a prender ninguém. Arruma outra testemunha.

Policial: – Esse é o problema, ninguém quer ser testemunha, todos se recusam, por isso a criminalidade está desse jeito.

Carteiro: – Estamos no século 21, em plena revolução digital, com várias tecnologias. Por que vocês não realizam essas operações com filmadoras servindo como prova. Assim evitará colocar as pessoas nessa situação complicada, correndo risco de morte, já que estamos falando de criminosos e sabemos que não ficarão muito tempo presos e logo estarão soltos e quem vai nós proteger? A policia vai está ocupada prendendo outros criminosos. O crime é uma bola de neve.

Policial: – Por isso mesmo, se você não cooperar o criem não vai acabar nunca, a bola de neve só aumenta.

Carteiro: – Prender peixe pequeno não resolve Dr. Por que vocês não pegam o tubarão?

Essa discussão permaneceu por muito tempo e a todo momento o carteiro tentando abandonar o local do crime, porém o policial não deixava. O clima ficou tenso, começando um empurra-empurra. O carteiro tentando ir embora e o Policial tentando voltar com ele para a casa, chamando atenção dos vizinhos e das pessoas que passavam pelo local, formando uma platéia. O policial que estava na casa estranhou a demora do colega e questionou ao colega: – O que está acontecendo ai fora?

Policial respondeu: – O carteiro está se recusando a testemunhar e quer ir embora.

Policial dentro da casa: Algema ele, pois está cometendo um crime e citou as leis.

Carteiro escuta a ordem do policial e se revoltado: – Isso é um absurdo! Quer dizer que eu sou criminoso? Que vou preso? Sou trabalhador! Só no Brasil mesmo!

O policial tenta algemá-lo mas não consegue e começa uma briga corporal entre os dois. O policial pede reforço, solicitando a presença do outro policial, que deixa a casa para prender o carteiro.

Agora os dois policiais tentavam algemar o carteiro, que no meio da confusão retira do bolso o celular e disca 190. Os policias perguntam o que ele está fazendo.

Carteiro: – Estou ligando para policia. Vou denunciar vocês por abuso de autoridade, agressão e violência. Eu sei dos meus direitos. E tenho testemunha, citando os dois jovens detidos.

Policias: – Como é que é? Quer dizer que agora nós que somos os criminosos? Que vamos presos? E os suspeitos serão testemunha contra nós? Isso é um absurdo! Somos trabalhadores! Só no Brasil mesmo!

Carteiro: – Mas estão agindo da forma errada, indo contra a lei que vocês deveriam respeitar, e não me obrigar a fazer uma coisa que eu não quero. Eu não vou ser testemunha. Estou no meio do serviço, conheço os caras, moro no bairro, sou pai de família, tenho dois filhos, não vou me meter nisso. Nem sei se as drogas são deles mesmos, não vi toda a operação, já cheguei com a casa toda revirada. Quem me garante que as drogas são deles mesmos? Que não foram vocês que produziram essa prova?

Os policias ficaram ainda mais irritados: – Está dizendo que nós forjamos a prova? Isso é demais!

Enfurecidos, os policias deram uma chave de braço no carteiro o jogando no chão e quando iam algemá-lo escuta um grito de um morador: – Socorro! Socorro! Os bandidos estão aqui no meu quintão!

Os policiais preocupados em prender o carteiro esqueceram dos suspeitos, que aproveitaram a situação para fugirem. Soltaram o carteiro e foram atrás dos suspeitos, mas já era tarde e eles estavam longe.

O carteiro aproveitou o momento para também sair do local do crime. Por fim, nem os suspeitos, o carteiro e o policial foram presos.

O carteiro voltou ao serviço e foi testemunha dos fatos narrados aqui, testemunhando para os colegas de serviço o ocorrido.

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