quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

"LIBERTARAM OS ESCRAVOS, AGORA FALTA LIBERTAR OS NEGRO"!

O Brasil é um país onde a mistura das raças branca, negra e índia deu lugar a uma demografia colorida, mas demarcada, no entanto, por altos índices de preconceito. A população negra e mulata que forma essa grande massa de gente se aproxima dos 50%.
Pesquisas mostram que mais de 34% estão abaixo do nível de pobreza. Os percentuais se acentuam ainda quando o assunto é o desemprego. A taxa de desemprego para os negros é de 20,9%, enquanto a taxa da população branca fica em 13%. Estes números deixam claro que a discriminação racial ainda é um fator predominante no país.

Na luta contra o racismo, alguns projetos vêm sendo criados, com o objetivo de resgatar a contribuição do povo negro na história do Brasil, trabalhar as diferenças e combater o racismo e discriminação, visando a inserção do negro no mercado de trabalho, cotas universitárias, reconhecimento de suas culturas específicas etc.

Um deles é a criação da Semana da Consciência Negra. Em Cataguases o projeto foi de autoria dos Vereadores, Antônio Batista Pereira (Beleza) e Vanderlei Teixeira Cardoso (Pequeno). Apesar de sua aprovação pela unanimidade dos vereadores, a idéia foi objeto de um intenso debate. Dois vereadores chegaram a defender em plenário a inexistência do preconceito e do racismo em Cataguases, sob a alegação de que essas práticas abjetas habitam o fosso de águas passadas.

Essa constatação do racismo em nosso ambiente remonta o início do século passado: o Cataguasense Henrique Vieira de Resende, poeta do Movimento Modernista Verde, neto de fazendeiros e ex-donos de escravos, reconheceu e lembrou as atrocidades cometidas pelos seus avós, em seu poema “SENZALA”: “Senzala da Fazenda dos meus avós... Vão-se desmoronando pouco a pouco as tuas paredes de pau-a-pique e os teus telhados seculares. Mas ainda és, no teu desmoronamento, a lembrança angustiosa das atrocidades dos meus avós”. Segundos os Verdes : “Para entender uma raça diferente e seus costumes também distintos, é preciso muito mais do que apenas olhar de fora, é necessário ter empatia, fazer esforço de compreensão”.
Um antigo ditado diz: “No passado está a história do futuro”.

Aqueles que não conseguem se lembrar dos erros do passado estão condenados a repeti-los. Apesar de ser passado, a luta contra as desigualdades sociais, raciais e econômicas, é resultado dos vários anos de escravidão e exploração nesse país. É preciso debater, dialogar, apresentar propostas, colocar na ordem do dia essa luta que não é somente dos negros, mas sim de todos.


A luta de hoje - presente - deve nortear-se pela experiência do passado, na busca de um futuro que seja realmente para todos. Não é meu propósito lamentar o sofrimento de um povo, mas a sociedade precisa reconhecer, redimir-se de seu erro histórico, se isso é possível.

Muito pouco foi feito para corrigir o erro da fúria escravista de nossos colonizadores durante mais de três séculos de vida nesse país. E o pouco que foi feito, não veio como dádivas, mas como conquistas, através de muitas lutas.

Mesmo assim, as práticas do regime escravista ainda resistem; continuamos vivendo em um ambiente de extremo preconceito racial, que cria condições efetivas para a prática do racismo, que é exclusão. Infelizmente, ainda vale a máxima de Machado de Assis, vaticinada no início do século passado: ”Libertaram os escravos, agora falta libertar os negros”.


Não reconhecer a luta dos negros e não se integra a ela é o mesmo que dizer que nada aconteceu.

É tentar apagar a memória, desconhecer o passado de atrocidades, cometidas pelos colonizadores portugueses e pelo estado Brasileiro, ao longo de três séculos e meio.

A falta de uma política pública voltada para combate ao preconceito e ao racismo perpetua uma realidade que não contribui para o avanço do Brasil como país civilizado e humanista. A abolição foi decretada sob forte pressão, para dar fim a uma série de revoltas do povo negro, contra o fim da chaga da escravidão. No entanto, não se definiu regras de convívio entre aqueles que deixavam as senzalas para ocupar um espaço na nova sociedade, pretensamente livre do regime escravista. Basta lembrar que a Lei Áurea apenas declarava o fim da escravidão, mas nada regulamentava, obrigando os negros a servirem à Colônia como mão de obra barata ou a emigrarem para as periferias sem nenhuma proteção pública ou social que lhes garantissem o acesso ao sustento.


O resultado é o retrato do Brasil do início do século vinte e um, basta ligar a TV para vemos os negros nos piores papéis, na maioria das vezes como serviçais. Na própria Câmara notamos a falta de um representante da raça negra, sem contar nos cargos do setor públicos, nas grandes empresas e vários outros setores. Poucos são os que conseguem vencer a barreira do preconceito.


Se olharmos para o cenário mundial, podemos dizer que houve algum avanço, especialmente, nos Estados Unidos, onde um negro alçou-se à presidência. Mas, o planeta ainda faz muito pouco pela África que continua vivendo o seu infortúnio e sangrentas guerras civis pela libertação.


Em 1994, enquanto nós brasileiros comemorávamos o tetracampeonato mundial, a África do Sul comemorava o fim do Apartheid e a libertação de Nelson Mandela, que ficou 27 anos preso por conta da política nefasta do regime de segregação racial naquele país.


É preciso lembrar que aquele continente é nosso credor histórico.
Aqui no nosso Brasil, o povo negro ainda encontra-se segregado nas favelas, sem acesso a uma educação de qualidade, renda, cultura e inserção social. O nosso nordeste dos povos Kalungas ainda busca a sua redenção enquanto povo brasileiro, como todos nós. Nossos presídios estão cheios das vítimas históricas da escravidão.


O preconceito só vai ter fim quando o Estado implementar políticas públicas voltadas para os negros. Uma delas é através do processo da Educação Fundamental, com uma revisão completa da História, e por meio de ações governamentais afirmativas. Outra é o aprofundamento da política de Cotas em todos os segmentos educacionais - Universidades, faculdades privadas, institutos educacionais etc - e não devem ser vistas como privilégio, mas sim como resgate de uma dívida histórica com o povo afro descendente.


Além da cota, os negros lutam também para o reconhecimento do dia 20 de Novembro como feriado nacional, o “Dia da Consciência Negra”. A data marca a morte de Zumbi dos Palmares, morto em 1695, ícone da resistência a escravidão e marca maior de liberdade.


O Dia da Consciência Negra já foi instituído pelo Governo Federal pela lei nº 10.639, de janeiro de 2003. A mesma lei tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Embora o 20 de novembro ainda não seja considerado feriado nacional, mais de 300 cidades definiram já param suas atividades comerciais para debater as questões dos negros e avançar no processo de busca de eliminação do preconceito e do racismo em nosso país.

Cataguases teve a chance de romper as barreiras do silêncio absoluto que existe em relação a uma questão tão importante como a dos negros , e decretar o feriado. Porém o projeto recebeu parecer contrário, considerado inconstitucional, além de críticas dos mesmos 2 vereadores, que sempre são contra as questões raciais.

Foi época que Cataguases era da vanguarda.

Felizmente já reconhece, em Cataguases, na sua Lei Orgânica o dia da Consciência Negra. No entanto, precisam caminhar mais, tanto o Legislativo quanto o Executivo são responsáveis pelas políticas que vão dar na construção de um novo perfil social para Cataguases.

O regime de escravidão já passou, é fato histórico, no entanto a exclusão ainda continua e o debate amplo, aberto, democrático, num dia especial, poderá contribuir para o avanço no processo de recuperação da dignidade de nossa gente.

Se fecharmos os olhos para os nossos equívocos históricos a verdade continuará na rua, nos reduzindo, denunciando a nossa incapacidade de construir melhores dias para todos.

2 comentários:

MOVIMENTO NEGRO disse...

Parabéns Pequeno e Beleza, vocês são da vanguarda.

Os dois vereadores que são contra, um é doutor o outro é vaqueiro, os dois dizem ser de origem humildes.

Humildes que não reconhecem os erros.

Quer dizer que não tem discriminação, racismo, ou exclusão. Agente reclama de barriga cheia e só queremos tirar vantanges, nos fazermos de vítima.

Podem deixar. O mundo dá voltas, vocês dois ainda vão precisar dos votos dos negros.

Chicos Cataletras disse...

Belo texto. Muito bem elaborado. Parabéns!!! A hipocrisia dos herdeiros dos coronéis escravocratas e seus capachos ainda é predominante. Mais uma vez parabéns!
Para quem gosta de poesia visitem o blog http://chicoscataletras.blogspot.com
Zé Antonio