domingo, 16 de novembro de 2014

Vida no lixo!

Vida no lixo!

Sexta-feira, dia de pagamento. José Francisco, popular Chico Doido, aproveita a hora do almoço para sacar o dinheiro. Retorna ao trabalho e inicia a contagem regressiva para o fim do expediente.

Faltando cinco minutos para o encerramento, já está de banho tomado e com o cartão de ponto na mão. A sirene toca e ele é o primeiro a registar a saída. Segue direto para o bar do Baixinho, o Barxinho. É dia de bebemorar!

Chega no bar, marca seu “ponto” e pede ao Baixinho um maço de cigarro, uma cerveja, um traçado - pinga com conhaque. Acende o cigarro, toma o traçado numa virada só sem fazer careta. Em seguida a cerveja, que desce que nem água. Seus colegas de trabalho logo chegam e ele grita: Baixinho, traz mais uma rodada.

Seu celular toca. Os colegas debocham e brincam: Rádio Patroa! Ele não atende e aproveita para desligá-lo. A ligação de sua dona o faz lembrar da janta e ele pede para o Baixinho preparar um tira gosto e trazer mais uma rodada, com direito a mais um traçado.

Assim Chico Doido vai traçando a noite, que está apenas começando, mas para seus amigos de trabalho termina e, pouco a pouco, vão indo embora. Ficando apenas Chico Doido, que fará “hora extra” e, novamente, será o último a deixar o bar.

Vai ficando tarde e o dono do bar avisa que irá fechar. Chico Doido a saideira e outro maço de cigarro, além da conta do dia/mês. Lá se vai boa parte do pagamento. 

Fecha o bar e ele sai a procura de outro. Ao passar em frente à entrada da favela Bicho Solto, seu nariz começa a coçar. É dia de “sexta-cheira”. Chico Doido sobe o morro, chega na boca de fumo e pede ao traficante: Aí irmão: prepara um de cinquenta conto bem servido.

O traficante, menor de idade, que aparenta ter a mesma idade de seu filho mais novo, 15 anos, retira da bolsa o papelote e entrega para Chico Doido, que se dirige ao bar em frente à boca de fumo. Chega no balcão, acende um cigarro e pede  uma cerveja.  Toma dois copos  e vai até o banheiro. Abre o papelote, retira a carteira de identidade e coloca o pó sobre ela. Pega o cartão do banco e faz duas carreiras e mete a napa.

 - Hummmmmmmm! Esse é do bom!

 Acaba de cafungar , volta para o balcão e toma o restante da cerveja. Pede outra, outra, outra, mais outra .... . Ascende outro cigarro, paga a conta e pede a saideira, um latão e sai bebendo rua a fora.

Ao passar pela boca de fumo, seu nariz coça novamente, mas dessa vez resolve pegar uma pedra de crack, afinal é mais barato - R$ 10,00 - e o efeito é mais louco. Entra num beco, acaba de tomar a cerveja e a aproveita a própria lata e as cinzas do cigarro para fumar a pedra.

O efeito é rápido. Alucinado, ele cai pra na pista a procura de mais diversão. Resolve ir na zona. Chega e pede logo uma cerveja. Toma um copo e ascende um cigarro. Não demora muito e uma profissional aproxima. Pede um gole e um trago.  Chico Doido, “gastoso”, pega mais uma cerveja e lhe dá um cigarro.
Cerveja vai, cerveja vem, ao som do funk  a piriguete vai rebolando e se esfregando em Chico Doido. Seduzido, pergunta quanto é o programa. Ela responde: Para você, trinta reais, sendo quinze minutos. Ciquenta reais trinta minutos.
 
Chico Doido retira a onça do bolso e parte para o se vira nos trinta. Vão para o quarto, retiram a roupa e ele cai matando. Por cima, por baixo, de lado... No quarto ao lado, um barulho chama a atenção do “casal”:: Ai! Aiiiiiiiiii! Ta doendo! Não to agüentando! Tira isso de dentro de mim! Aiiiiiii!

 O grito da “vizinha” o excita, e Chico Doido pega a devassa com mais vontade. Agora ambas as mulheres gritam. E Chico Doido goza.  No mesmo instante, no quarto ao lado, vem um som agudo e exprimido, um choro de um bebê. Só então que Chico Doido se da conta de que a “vizinha” acabara de dar a luz a uma criança.

Chico Doido lembra de seus filhos e netos. A prostituta, ainda nua, pula da cama, abre a porta e corre para ver o recém nascido. . Outras mulheres – também nuas - passam pelo corredor. Todas querem ver a criança. Uma delas diz: é a cara da mãe. Ainda bem, pois fica difícil de saber quem é o pai.

 Aquela movimentação toda chama a atenção do cafetão, que logo surge e acaba com o tumulto. Retira a criança do colo da mãe e ordena que as funcionárias retornem ao trabalho. Passa em frente ao quarto em que se encontra Chico Doido e diz: Tá esperando o quê? Mete o pé ou terá que pagar pelo quarto novamente. Isso aqui não é hotel.

 Chico Doido volta a si, pega  o papel higiênico para se limpar e percebe que a camisinha furou. Em sua cabeça vem o choro da criança. Daqui a noves messes, pode ser um filho seu nascendo nessas condições.

Atormentado, troca de roupa para ir embora. Mas antes, resolve tomar a saideira para se recompor. O que acaba em saideiras. Olha no relógio e vê que já passam das seis da manhã. Tem que ir embora. Paga a conta e percebe que quase todo o seu pagamento foi embora numa só noite.

No caminho de casa, pensa em tudo que fizera na noite e o choro da criança não sai de sua cabeça. Depois de passar por várias ruas, o choro aumenta . Pensa que está ouvindo vozes e ao passar perto de uma lata de lixo percebe uma movimentação. Aproxima, revira o lixo e vê o recém nascido, que acabara de nascer, enrolado na toalha.

Sem saber o que fazer, pega o neném no colo e resolver ligar para a polícia. Liga seu celular e vê mais de vinte ligações de sua mulher, além de cinco mensagens. Não as lê. Disca 190 e comunica o fato.   O atendente faz o registro e solicita que aguarde até a chegada da viatura.

Enquanto aguarda, aproveita para ler as mensagens. Uma delas o emociona, é de sua esposa que diz: “Chico, onde vc tá? Estou preocupada! Não demora. Vê c vem logo p/ ksa. Te amo”.

Acabe de ler e cai em lágrimas, chorando mais que o neném no seu colo. Chega a polícia, encaminha o bebê para o hospital e Chico Doido à delegacia, para prestar maiores informações.

Feito o B.O. é liberado. Agora sim irá para casa. Passa novamente em frente ao lixo em que encontrara a criança. Vê a toalha suja de sangue. Aproxima e seus pensamentos mergulham naquele lixo, então percebe que seus atos estão transformando sua vida em um lixo.

Nesse momento, seu celular toca: é a patroa. Dessa vez ele atende. Diz que já está chegando e que a ama. Se despede com beijos e desliga. Olha para o lixo e também se despede, dizendo que a partir desse momento irá reciclar sua vida.

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